Como transformamos uma página do Facebook no maior símbolo antirreforma do país

Com uma linguagem divertida, mas crítica, a Todos Contra o Fim da Aposentadoria, nasceu em resposta a proposta de Reforma da Previdência do Governo Michel Temer. Hoje somamos mais 1,3 milhão de seguidores preocupados com o futuro do Brasil e atribuímos esse sucesso à inteligência política por trás de cada estratégia na luta antirreforma. Ao embaralharmos os signos da polarização na política brasileira, conseguimos convergir para o mesmo objetivo ativistas, entidades e militantes da direita e da esquerda brasileira. Para entender mais sobre o sucesso da página e descobrir a estratégia por trás dele, leia a conversa do nosso fundador e hoje Diretor-Geral da Secretária da Educação e do Esporte do Paraná, Gláucio Dias, com o colunista Pablo Ortellado em matéria para a Folha de S. Paulo: 

A maior página de campanha contra as reformas do governo Temer às vezes parece ser de direita, às vezes parece ser de esquerda. A página de Facebook "Todos contra o fim da aposentadoria" conseguiu reunir mais de um milhão e duzentos mil seguidores embaralhando os signos normalmente associados aos dois lados da polarização.

A página adota uma identidade visual verde e amarela, característica dos movimentos que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Em comum também com o campo "verde e amarelo", a página critica a corrupção, condena os políticos e reclama dos impostos elevados.

Por outro lado, a página condena a reforma da previdência, cujas vozes mais proeminentes vêm da esquerda. Também alinhada com a esquerda, a página condena a reforma trabalhista, equipara a sonegação com a prática da corrupção e critica duramente a desigualdade social.

Essa combinação, inusitada em tempos de polarização, pode estar por trás do seu sucesso. Enquanto páginas antirreforma mais caracteristicamente de esquerda encontraram um público limitado e pregaram para os convertidos, a "Todos contra o fim da aposentadoria" atingiu um público amplo e variado –foram mais de 20 milhões de pessoas atingidas no último mês de acordo com as estimativas do Facebook.

De maneira intuitiva ou planejada, a página parece ter conseguido acessar o espírito original dos protestos de junho de 2013, quando o discurso anticorrupção, a defesa dos direitos sociais e a ojeriza à classe política podiam ainda andar de mãos dadas. Logo depois, durante o primeiro semestre de 2014, forças políticas organizadas cindiram o ativismo espontâneo da sociedade civil em dois campos, jogando os dois legados de junho, um contra o outro. De um lado ficou a postura antipolítica e a crítica da corrupção, gradualmente convertidas em liberalismo econômico e conservadorismo moral; de outro, a defesa dos direitos sociais, gradualmente convertida na defesa do legado dos governos petistas.

O sucesso da página sugere que apesar do grande trabalho de desconstrução da unidade da rebelião antissistêmica de junho, em algum lugar da sociedade brasileira aquele espírito original permanece na sua integridade. 

Folha: A página combina uma estética “verde e amarela” com um tema que é mais comumente associado à esquerda. É uma estratégia de comunicação deliberada? Como surgiu a ideia de ter uma página contra a reforma da previdência com essa abordagem?

Adotamos o verde e amarelo por serem cores de convergência. Tirando uns poucos grupos mais extremistas, todos os demais gostam. Nascemos num contexto de Brasil fortemente dividido e polarizado —a identidade visual de unidade ajudou a superar essa dificuldade e a crescer nesse ambiente belicoso.

Folha: A que você atribui o sucesso da página que angariou mais seguidores do que a própria página oficial da Previdência?

São muitos pontos. Começa na semântica: mudamos o nome da “reforma” para “fim da aposentadoria”. Reforma é coisa boa, vem para bem. Ser contra reforma é ser retrógrado. “Fim da aposentadoria” ficou mais claro e poderoso. Em momento de polarização política, trilhamos um caminho diferente. Sem entrar no “fla-flu”. Sem compromisso com cartilhas. Sem compromissos com pacotes fechados de pensamento ideológico. Buscamos captar o sentimento das pessoas reais. A tendência das bases. Para além das cartilhas ideológicas. Evitamos a divisão. Adotamos o lema “evitar bola dividida”. Abrimos o leque para outros assuntos, como a corrupção, mas sem a sandice de acreditar que ela é fruto de um único partido. Não promovemos pessoas nem partidos. Usamos uma linguagem clara, assertiva e direta, sem firula. Por fim, contamos com duas “mãozinhas” do governo: primeiro, aquela proposta inicial de reforma, claramente gestada em escritórios do setor financeiro; e segundo, a comunicação equivocada adotada pelo Planalto.

Fonte: Folha de S. Paulo